Pedro e Ana se conheceram no jardim de infância. Não havia certeza ou lembrança de quem tinha iniciado relações primeiro, ou ainda porque um tinha interessado ao outro em primeiro lugar. Eram amigos desde sempre então, uma constante na vida que mudava a cada dia e ainda assim continuava a mesma, bem na época em que o tempo se estende infinitamente e uma hora pode durar três dias.
Portanto tinham (mais do que) uma vida inteira juntos.
Pedro era daqueles meninos que se mantêm na maior parte do tempo pra si mesmo, gostava de desenhar e de quebra cabeças, era gentil e educado e só se envolvia em maiores confusões quando jogava futebol, atividade que valorizava muito. Só assim era visto perdendo a cabeça, suas sobrancelhas bem juntas, o rosto avermelhado e a voz rouca de quem não está acostumado a falar muito alto. Assim que ele ficou velho o suficiente, tal atitude costumava ser considerada um tanto atraente entre as garotas que o conheciam.
Não era especialmente brilhante, nem especialmente idiota, portanto era deixado em paz na maior parte do tempo. Tinha o riso fácil, mas ele só se alargava o suficiente para formar covinhas quando sua amiga contava uma piada especialmente ruim.
Ana na verdade tinha um excelente senso de humor, mas a muito tinha aprendido que quanto pior fosse a piada mais Pedro se divertia. Vivia com o cabelo bagunçado e o rosto sujo de lama, andava sempre cercada por crianças, de sua idade, mais novas e até mais velhas, porque era um desses ímãs em forma de gente que todo mundo já se deparou alguma vez durante a vida.
Era vista sempre com uma goma de mascar na boca e era muito propensa a usar macacões e calças rasgadas nos joelhos, pelo uso. Ainda assim, era dada a introspecções e sua atividade favorita era ler um livro apoiada nas costas de Pedro. Ela se divertia quando estava cercada por seus súditos e escalava árvores, nadava em rios ou saía em aventuras para salvar o mundo. Mas trocaria tudo isso pelas horas em silêncio que passava na loja do pai de Pedro, atrás do balcão, observando a clientela que mal podia diferenciar uma chave de fenda de uma chave Philiphs.
Os dois se ocupavam desmontando e montando de novo rádios, televisões e eventualmente até um ou dois computadores. Pedro se interessava por modelismo e embora não fosse algo em que ela fosse exatamente capaz (porque mexer com miudezas nunca fora seu forte), se contentava em observá-lo trabalhar, enquanto ouvia música ou jogava paciência. Ás vezes tomavam o ônibus para o centro da cidade à procura de uma peça ou modelo novo e aproveitavam para ir no cinema e tomar sorvete. A primeira vez em que eles foram ver Billy Elliot Ana chorou tanto que ensopou a camisa dele. Se tornou o filme favorito de ambos. Eram dois melancólicos.
Ela começou a tocar piano aos 9 e o único que podia ir ver seus recitais era ele. Era uma das poucas oportunidades em que ela usava vestido e arrumava o cabelo. Era competente, mas nenhuma artista. Ainda assim ele costumava levar algumas flores pra ela. Uma vez tinha assistido um filme na televisão sobre uma concertista e visto a chuva de rosas que caiu sobre o palco no fim do espetáculo. Ele sempre aprendia rápido.
Em dias de tempestade costumavam se refugiar no quarto dela, ombro a ombro, ouvindo música dividindo um fone de ouvido, lendo revistas, as cabeças muito juntas. Comiam sanduíches de presunto com manteiga e tomavam chocolate quente com marshmallow, receita inventada por eles.
No dia em que Ana viu Pedro encostado na parede, sendo beijado por uma amiga dos dois ela sentiu como que afogando. A partir de então voltaram a andar de mãos dadas, hábito que haviam largado quando fizeram cinco anos.
Eles fumaram seu primeiro cigarro juntos. Ele tossiu o tempo todo e disse que nunca mais faria aquilo, enquanto ela manteve a pose até que seu estômago revirou e ela vomitou, sentido o tabaco no boca e no cheiro do cabelo.
Uma vez foram para praia (eles não eram velhos o suficiente pra ter carteira, mas já sabiam dirigir desde que conseguiam alcançar os pedais. Ela aprendeu primeiro), decididos a aprender a surfar. Eles nem chegaram perto de uma prancha. Foi a primeira vez que ficaram bêbados e infelizmente nenhum dos dois se lembraria da primeira vez que se beijaram.
Portanto tinham (mais do que) uma vida inteira juntos.
Pedro era daqueles meninos que se mantêm na maior parte do tempo pra si mesmo, gostava de desenhar e de quebra cabeças, era gentil e educado e só se envolvia em maiores confusões quando jogava futebol, atividade que valorizava muito. Só assim era visto perdendo a cabeça, suas sobrancelhas bem juntas, o rosto avermelhado e a voz rouca de quem não está acostumado a falar muito alto. Assim que ele ficou velho o suficiente, tal atitude costumava ser considerada um tanto atraente entre as garotas que o conheciam.
Não era especialmente brilhante, nem especialmente idiota, portanto era deixado em paz na maior parte do tempo. Tinha o riso fácil, mas ele só se alargava o suficiente para formar covinhas quando sua amiga contava uma piada especialmente ruim.
Ana na verdade tinha um excelente senso de humor, mas a muito tinha aprendido que quanto pior fosse a piada mais Pedro se divertia. Vivia com o cabelo bagunçado e o rosto sujo de lama, andava sempre cercada por crianças, de sua idade, mais novas e até mais velhas, porque era um desses ímãs em forma de gente que todo mundo já se deparou alguma vez durante a vida.
Era vista sempre com uma goma de mascar na boca e era muito propensa a usar macacões e calças rasgadas nos joelhos, pelo uso. Ainda assim, era dada a introspecções e sua atividade favorita era ler um livro apoiada nas costas de Pedro. Ela se divertia quando estava cercada por seus súditos e escalava árvores, nadava em rios ou saía em aventuras para salvar o mundo. Mas trocaria tudo isso pelas horas em silêncio que passava na loja do pai de Pedro, atrás do balcão, observando a clientela que mal podia diferenciar uma chave de fenda de uma chave Philiphs.
Os dois se ocupavam desmontando e montando de novo rádios, televisões e eventualmente até um ou dois computadores. Pedro se interessava por modelismo e embora não fosse algo em que ela fosse exatamente capaz (porque mexer com miudezas nunca fora seu forte), se contentava em observá-lo trabalhar, enquanto ouvia música ou jogava paciência. Ás vezes tomavam o ônibus para o centro da cidade à procura de uma peça ou modelo novo e aproveitavam para ir no cinema e tomar sorvete. A primeira vez em que eles foram ver Billy Elliot Ana chorou tanto que ensopou a camisa dele. Se tornou o filme favorito de ambos. Eram dois melancólicos.
Ela começou a tocar piano aos 9 e o único que podia ir ver seus recitais era ele. Era uma das poucas oportunidades em que ela usava vestido e arrumava o cabelo. Era competente, mas nenhuma artista. Ainda assim ele costumava levar algumas flores pra ela. Uma vez tinha assistido um filme na televisão sobre uma concertista e visto a chuva de rosas que caiu sobre o palco no fim do espetáculo. Ele sempre aprendia rápido.
Em dias de tempestade costumavam se refugiar no quarto dela, ombro a ombro, ouvindo música dividindo um fone de ouvido, lendo revistas, as cabeças muito juntas. Comiam sanduíches de presunto com manteiga e tomavam chocolate quente com marshmallow, receita inventada por eles.
No dia em que Ana viu Pedro encostado na parede, sendo beijado por uma amiga dos dois ela sentiu como que afogando. A partir de então voltaram a andar de mãos dadas, hábito que haviam largado quando fizeram cinco anos.
Eles fumaram seu primeiro cigarro juntos. Ele tossiu o tempo todo e disse que nunca mais faria aquilo, enquanto ela manteve a pose até que seu estômago revirou e ela vomitou, sentido o tabaco no boca e no cheiro do cabelo.
Uma vez foram para praia (eles não eram velhos o suficiente pra ter carteira, mas já sabiam dirigir desde que conseguiam alcançar os pedais. Ela aprendeu primeiro), decididos a aprender a surfar. Eles nem chegaram perto de uma prancha. Foi a primeira vez que ficaram bêbados e infelizmente nenhum dos dois se lembraria da primeira vez que se beijaram.