It had to be you
Pedro costumava ser o quieto da dupla, porém de tempos em tempos, Ana entrava em um processo de reclusão que fazia com que ele começasse a usar todas as armas de seu arsenal pra que ela mostrasse uma resposta, qualquer resposta. O que costumava ser um olhar irritado, uma ação mesquinha, ou um comentário ferino. Durante alguns dias nada parecia mudar seu mau humor, até que de repente acordava um dia e os pássaros estariam cantando mais forte ou o sol estaria mais brilhante e ela voltava a ser a criatura saltitante e irritante de sempre. Confundia Pedro terrivelmente, já que ele só tinha grandes mudanças de temperamento quando algo muito bom ou muito ruim acontecia. As vezes ela ficava sem falar com ele por dias e quando ele perguntava porque, ela respondia que o fato dele não saber só piorava a situação. Assim que a maré virava tudo havia sido esquecido.
Ela gostava de pensar que ele era uma alma nobre, um cavalheiro renascentista preso na época errada, mas ele sabia que não era verdade. Seu jeito calmo e contemplativo se deviam a sua imensa timidez e sua gentileza era graças ao medo de se repreendido. Não gostava de confrontos porque apavorava-o a perspectiva de acabar como um bobo. Não é que não tivesse paixão, mas preferia só mostrá-La em ambientes controlados. Por isso desde pequeno tinha se envolvido com futebol. Depois que percebeu como os jogadores, treinadores e torcedores se portavam, como se arrancar a canela ou xingar até a décima geração de um oponente fosse aceitável e até encorajado, ele chegou a conclusão que tinha encontrado seu meio, sua válvula de escape. E ainda por cima, ele era bom. Podia reclamar o quanto quisesse, pois sempre comparecia quando necessário. Ainda por cima aumentava seu círculo social, porque ali no campo não havia restrições, ele brincava com os companheiros, mexia com os adversários, flertava com as meninas que assistiam (Ana deixou ir nos jogos depois de certa idade, ele não tinha muita certeza de porque), e mesmo que assim que pisasse fora do gramado ele voltasse ao jeito de sempre, isso garantia que fosse convidado pra todas as festas e sempre tivesse colegas em trabalhos em grupo.
Já Ana tinha outras coisas em mente quando se envolvia em grupos, amizade mau contava (embora ela fosse amiga de todos). Era ambiciosa e se certificava de sempre se cercar das pessoas mais qualificadas para o que tivesse em mente. Se pretendia ser a líder arrebanhava um grupo de pessoas competentes porém subordinadas. Já quando preferia descansar se intrometia em juntamentos onde podia eleger alguém ao comando que fosse enérgico o bastante, sem encher muito o saco. Tudo que pudesse fazer para alcançar o melhor resultado possível.
Era obcecada por detalhes, embora mantivesse uma aparência descuidada. Obviamente isso também era planejado, não pretendia afastar as pessoas, que se sentiam intimidadas com alguém muito arrumado. Era só olhar pra Pedro, com suas unhas sempre limpas e o cabelo bem cortado e penteado. Era mais admirado do que realmente alguém muito amado. Era uma das coisas que ela mais gostava (e detestava) nele.
Algumas vezes ela o assustava. Tudo podia estar bem e feliz e se alguma coisa, qualquer coisinha que fosse, não correspondesse a suas expectativas ela se desesperava, chorava, arrancava cabelos e soluçava e ele tinha que por os braços ao redor dela bem forte e ficar sussurrando palavras encorajadoras em seu ouvido pra que ela se acalmasse. Normalmente nessas ocasiões ela ficava horas chorando baixinho, o rosto enfiado no pescoço dele, ensopando sua camisa. Ele se perguntava o que a faria tão infeliz. As vezes ele queria desistir e deixá-la pra trás. Dizer que ele não merecia isso, que ele não tinha sido nada além de um bom amigo e que ele não merecia sofrer também. Mas ele tinha medo, medo de que se ele a perdesse não haveria mais ninguém pra ele. Quem mais o entenderia e passaria horas em silencio, apenas observando-o com seus carrinhos e aviões, sem chamá-lo de criança ou algo pior ? Quem o levaria pra ver aqueles filmes meio artísticos e de gente grande, que meninos não deveriam ter nenhum interesse por? Com quem faria sonhos quase impossíveis de ir ser um artista em Budapeste enquanto ela o sustentaria trabalhando pras Nações Unidas?
Ela tinha algumas tiques nervosos. Seu olho se contraía quando nervosa e tinha um milhão de interesses ao mesmo tempo. Enquanto Pedro preferia se concentrar em poucas coisas e ser muito bom nelas, a atenção dela se dispersava facilmente. Uma bola de energia, sempre surgia com uma idéia nova. Eles deveriam aprender a cozinhar. A cantar. Pescar. Jogar vôlei. Ter aulas de etiqueta. Aprender a dançar bolero. Formar uma banda. Fumar. Surfar. Sempre querendo ser a primeira a fazer tudo, aprendeu a dirigir aos doze anos. Ensinou a dirigir aos treze. O piano tinha durado por insistência da mãe, e porque ela achava muito classe, quase como se fosse uma lady. Não havia nada que pudesse impedi-La de conquistar o mundo. Nada.
Naquela vez em que ela insistiu que eles deveriam ir nadar depois de ter tido uma briga feroz com os pais (era o que ela tinha dito), ele ficou com medo de que, no fundo no fundo, ela tivesse se afogado de propósito. Ele nunca chorou tanto e tão forte quanto naquela noite, abraçando o travesseiro e lembrando do rosto branco dela, desfalecido, enquanto o salva vidas fazia respiração boca a boca e massageava seu peito. Pouco tempo depois eles voltaram a andar de mãos dadas. Ele não queria que ela escapasse nunca mais.